sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O presente

Muitas vezes, quando eu era pequeno, via o anúncio de um brinquedo pela televisão ou me encantava com alguma coisa numa vitrine e pedia aquelas coisas ao meu pai. Eu não me recordo das evasivas dadas mas minhas táticas de convencimento quase nunca resolviam e o regalo não vinha.
Um pouco mais tarde – e eu devia ter lá meus cinco ou sete anos – meu pai resolveu ser mais honesto comigo e confessava: “Papai não tem dinheiro para comprar agora; quem sabe mais tarde...”.
As despesas da casa não deviam ser poucas e às vezes ele ficava mais nervoso com as solicitações várias e deixava escapar: “vocês pensam que eu tenho maquininha de fazer dinheiro?”
Assim, eu cresci tomando consciência de que para se conseguir alguma coisa, além de merecer, era necessário ter meios para adquirir aquilo – em outras palavras, ter dinheiro.
Dessa forma, nunca mais pedi nada pois sempre fui muito prático: o que eu pedisse não viria mesmo! Além disso eu ficava com pena porque via no meu pai um semblante de desapontamento, de impotência por não ter condições materiais de atender além do estritamente necessário.
Aprendi a esconder meus desejos, a sufocar meu ímpeto ou qualquer demonstração de interesse pelos brinquedos, joguinhos e passeios: aquilo tudo teria um custo e era melhor não pedir do que escutar uma negativa.
O que vivenciamos na infância molda nosso caráter, se solidifica na adolescência e se reflete na vida adulta. Desde cedo passei a dar valor ao merecimento, à subordinação de hierarquia, à possibilidade de aquisição e à conquista. Não entendo como hoje as crianças e adolescentes têm tudo o que querem e ainda acham que merecem mais e mais. Mesmo não tendo lido nenhum ensinamento de Jean Piaget, meu pai fazia o mais correto: usava de honestidade para expor uma situação. Ao falar francamente que não tinha dinheiro, deixava claro o motivo pelo qual não me dava alguma coisa: não é que eu não merecesse; ele é que não podia – acariciando meu ego e se colocando numa posição coadjuvante.
Essas variações todas, no tabuleiro da vida, talvez possam explicar como sou hoje. Sou réu confesso: talvez eu seja um pouco severo demais comigo mesmo, não guardo expectativas e meus sonhos são contidos. Na minha cabeça há um torvelinho de pensamentos e divagações mas não permito que escapem para que, antes de mais nada, não causem decepção por não se concretizarem. Sou tímido, metódico, cuidadoso e extremamente analítico.
De todos os presentes que meu pai não me comprou, ficou o mais importante porque brotou de seu exemplo: a felicidade de ser honesto, íntegro: isso sim, é tão valioso que não pode ter preço!

Obrigado, pai - valeu!