A região central de São Paulo sempre um
atrativo para mim. Desde criança, sempre gostei de andar por alí e olhava
maravilhado para os edifícios imensos, vetustos, as ruas com aquele amontoado de
gente apressada. Homens de terno e gravata, mulheres elegantemente inseridas em
sóbrios tailleurs seguiam impassíveis seus rumos. As vitrinas das lojas tinham
a simplicidade dos anos 50/60 e eu me encantava com tudo aquilo, as luzes
coloridas, as coisas expostas de forma chamativa. Não havia tantos modelos de
automóveis mas eles eram mais coloridos do que hoje, em que reina a tirania do
preto/cinza/prata. Sem dúvida, a cidade era mais alegre; as pessoas se
cumprimentavam na rua ainda que não se conhecessem, era uma regra de boa
educação, de civilidade, de cortesia. Havia u´a magia no ar, principalmente na
época de Natal.
Para mim tudo era novidade e eu crivava meu
pai de perguntas. Meus olhos se entupiam de cores, de luzes, de sonhos. Quando
voltava para casa eu ficava o resto do tempo com aquilo tudo na cabeça,
relembrando cada instante, cada cena, cada som, cada aroma.
O tempo passou e meu destino profissional e
acadêmico foi distante do Centro; passei anos sem ir até lá: o trânsito caótico
e a agitação constante das pessoas cada vez mais apressadas acabou por
favorecer esse afastamento.
Há algum tempo resolvi resgatar um pouco desse
tempo perdido. Por algumas vezes tomei o Metrô e, munido de uma câmara
fotográfica e muita disposição, passei a percorrer aquelas mesmas ruas e praças
de quarenta anos atrás – para minha solene decepção!
Os edifícios ainda estão alí, ostentando a
mesma imponência de sempre; algumas lojas tradicionais já se deslocaram para
centros de compras mais sofisticados e outras simplesmente fecharam as portas.
As vitrines ganharam um luxo brega e os artigos são mais populares. As pessoas
continuam apressadas mas nem de longe lembram aquelas da minha infância... os
trajes formais foram substituídos por camisetas com frases desconexas em inglês e jeans descoloridos; as moças ostentam trajes que beiram à
indecência – e olhe que eu não sou moralista. Bonés completam essa indumentária
despojada dos jovens. Não existe mais elegância nem sofisticação e a educação
de outrora deu lugar a empurrões e cotoveladas como se fossem a coisa mais
natural do mundo.
Pelos cantos, os mendigos parecem dormir
tranquilamente em meio ao burburinho, cobertos de andrajos, exalando odor
desagradável. Topamos com moradores de rua usando drogas sem se incomodar
com quem esteja por perto. Chegam ao cúmulo de armar barracas de camping para fazer uso de entorpecentes,
entupindo o espaço público e que, por isso mesmo, é de todos e não de alguns.
Camelôs completam esse cenário próximo do caos, apregoando mercadorias falsas a
plenos pulmões.
Minha querida São Paulo não existe mais...
está às moscas! Fruto do descaso, do descuido e da ganância de governantes que
só aparecem na hora do voto, a cidade simplesmente desapareceu diante da
miséria e da falta de comando. Não há quem ande despreocupadamente por alí, sem temer pelo assalto a
seus bens pessoais ou mesmo pela integridade física.
Enquanto isso, temos que conviver com a
cantilena do “politicamente correto”: o drogado é doente, a prostituta é fruto
do sistema, o andarilho é um coitado, o camelô é um trabalhador. Ainda que
envoltos num manto de ilegalidade, nenhum deles deve ser incomodado. O conceito
de espaço público é esticado até o ultrapassar o limite do suportável.
Honestamente, eu me questiono se não nos
tornamos escravos de conceitos e escondidos atrás do manto da hipocrisia,
aceitamos de araque tudo o que nos surge à frente. Eu não conheço uma só
pessoa, do meu círculo de relacionamentos, que concorde com essa situação.
O que é que está faltando? Falta coragem
para dizer o que pensamos, de exigir o retorno dos valores que cultivamos desde
nossos avós, nossos pais... nossos antepassados.
Estamos vivendo a ditadura da mídia
televisiva onde os canais de comunicação mais influentes nos ditam o linguajar,
as gírias, a moda e os costumes. Aceitamos que nos digam o que devemos pensar
como certo e o que devemos considerar errado. Quem leu George Orwell sabe do
que estou falando!
Não podemos aceitar, cabisbaixos, essa revolução cultural às avessas, onde literalmente o rabo balança o cachorro!