segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

O Coruja


Os olhos sempre atentos a tudo prestavam atenção a cada detalhe.

- Esse menino não perde nada, hein? Presta uma atenção...

- Sim, está sempre ligado em tudo... é um bebê ainda e parece que até entende o que os adultos conversam!

- Esse olhão arregalado... parece uma corujinha!

Pronto, o apelido pegou na hora! Coruja!

O menino cresceu, ficou forte e bonito, a alegria de todos os parentes. Conservava sempre aquele olhar quieto mas profundo, uma curiosidade imensa sobre o que o cercava.

Perguntas não faltavam: o Coruja queria saber sobre tudo, tudo!

Não foi um aluno muito brilhante na escola. Ficava aborrecido por ter que ficar sentado na sala de aula ouvindo a professora. Seu olhar pulava a janela ampla e ficava observando a copa das árvores, as nuvens, a passarada voando...

Ele sempre se considerou mais esperto do que os colegas, achava a escola uma perda de tempo. Mas, criança, tinha que obedecer aos pais.

O Coruja foi crescendo, chegou à adolescência. Teve que se alistar para servir o Exército.

Foi ao Quartel, preencheu as fichas, entregou os documentos. Aguardou em casa até que chegou o aviso: iria servir numa unidade do Exército numa outra cidade, um pouco distante de sua casa.

Encarou aquilo como uma atividade nova, pessoas todas desconhecidas, disciplina, hierarquia, ordem. No início ficou maravilhado com tudo aquilo, o toque da alvorada, a farda, os coturnos que mantinha sempre engraxados, a bandeira nacional hasteada, os treinamentos – tudo era novidade.

Mas o Coruja foi ficando entediado com sua nova vida: nada tinha muita emoção, era sempre a mesma coisa. Para ele – que sabia tudo – aquele marasmo era desesperador.

Ficou sabendo, através dos outros recrutas, que havia uma casa de diversões próxima do Quartel. Segundo os colegas, alí tinha garotas, uma mais bonita do que a outra e dispostas a proporcionar uma noite bem interessante...

Coruja ficou aguçado para conhecer o tal lugar. Bolou um plano.

- Capitão, eu queria pedir ao senhor se posso me ausentar do Quartel neste final de semana.

- O que houve, Soldado?

- Eu queria visitar minha mãe. Ela está muito doente.

- É mesmo? O que aconteceu com ela?

- Tem idade, né Capitão? O senhor sabe, a gente fica preocupado...

- Sim, eu entendo. Pode ir, Soldado. Você fica dispensado no próximo final de semana.

E lá foi o Coruja para o bordel. Divertiu-se o quanto pôde.

Quando voltou ao Quartel, ficava olhando o Capitão à distância e pensando no que tinha feito. Foi fácil demais...

Resolveu repetir mais uma vez:

- Capitão, o senhor poderia me liberar para eu ir visitar minha mãe?

- Ela piorou, Soldado?

- Pois é... eu estou aqui mas minha cabeça fica pensando, imaginando coisas... o senhor sabe!

- Claro, vá lá amparar sua mãe.

De novo, o bordel. No meio da bebida e da mulherada, ficava pensando quanto o Capitão era bobo...

Na outra semana, voltou ao Capitão:

- Capitão... eu queria...

- Já sei, Soldado! Quer visitar sua mãe.

- Sim... é... sim. O senhor me desculpe mas...

- Imagine, Soldado. No seu lugar eu também ficaria preocupado.

O Coruja se aprontou para sair na noitinha daquela sexta-feira mas o que ele não percebeu é que o Capitão já andava desconfiado daquela estória e resolveu seguí-lo à distância. Usou um carro com os faróis apagados cuidando para não perder o Soldado Coruja do seu campo de visão. Observou quando Coruja entrou num ônibus e desceu a poucos quilômetros dalí. Devagarinho o seguiu e viu quando entrou no bordel, que estava em festa, luzes coloridas, com música tocando alto.

Na segunda-feira logo cedo, o Capitão mandou chamar o Soldado Coruja na sua sala.

- Bom dia, Capitão!

- Bom dia, Soldado! Eu queria perguntar uma coisa a você... sua mãe é prostituta?

- Que é isso, Capitão? Não.. imagine!!!

- Então é a minha mãe que é prostituta?

- Eu...eu...eu... não, Capitão!!!

- Soldado, ou é a sua mãe ou é a minha: uma das duas é prostituta, sim.

Coruja sentiu naquele embate uma derrota iminente. As pernas bambearam, a boca ficou seca de repente. Algo dera errado.

- Soldado, um de nós aqui está mentindo. Se não é você, então o mentiroso sou eu.

- Mas, Capitão... eu não sei do que o senhor está falando...

- Sabe sim, Soldado! Eu o segui e vi quando entrou naquele bordel.

A manobra custou um mês de prisão ao Soldado Coruja. Prisão para um Soldado é a pior das desonras. O Coruja se sentia derrotado – logo ele, o espertalhão de nascença, o menino que sabia de tudo, que não precisava das professoras, ficou alí naquela cela úmida contando os minutos durante um mês. E como se explicaria à família?

O restante do período engajado foi na faxina, não participava mais das outras atividades. Alvo das piadinhas dos outros recrutas, abaixava a cabeça e suportava tudo calado: brigar significaria mais cadeia, mais privações.

Quando terminou o prazo do serviço militar obrigatório, participou timidamente da cerimônia oficial e finalmente foi para casa.

Ao chegar, foi recebido pelos pais que, alegres, mostraram a ele o que haviam comprado de presente no mercado do bairro. Num poleiro e com os olhos enormes arregalados, uma pequena coruja com o nome de 'Capitão'...