sexta-feira, 29 de abril de 2011

A solidão e o ovo

Vivo encontrando com gente que acha morar sozinho a melhor coisa do mundo. Em parte é mesmo, não nego – e olhem que moro sozinho há uns quinze anos, um bom tempinho.

Quem quer morar sozinho é porque vive rodeado de gente, numa casa onde todo mundo se atropela, dá palpite, troca informação o tempo todo. Aí é comum se ouvir:

“- Meus pais e meus irmãos foram viajar neste final de semana; foi um sossego, é ótimo morar sozinho!”

Sinto informar mas isso não é morar sozinho. É claro que um hiato numa vida movimentada às vezes é bom mas você sempre tem a razoável certeza de que aquelas pessoas voltarão a fazer parte do seu dia-a-dia, não é verdade? Morar sozinho é uma instituição, você tem que refazer seu estilo de vida, depender de si próprio para tudo, de cozinhar a pregar um botão, passando por todas as tarefas domésticas que se possa imaginar. E olha... experiência própria, uma casa ou um apartamento dão trabalho, podem acreditar. Os problemas se multiplicam.

No início é uma sensação de liberdade sem tamanho: você pode fazer o que quiser, na hora que quiser, sem dar satisfação a ninguém. Chegar tarde deixa de ser um complicativo, levar namoradas à vontade sem ter que dar explicações. Nas primeiras semanas em que você está se instalando, fazendo planos, esse sentimento é maravilhoso e as idéias vão surgindo a cada minuto. Quando a realidade volta a tomar conta, as coisas são bem diferentes: você passa a ter consciência das responsabilidades e acaba não fazendo nada do que arquitetou.

Lí, uma vez, que a única vantagem de morar sozinho é poder usar o banheiro de porta aberta. É verdade. No mais, você não aproveita sua liberdade incondicional: nada de festas babilônicas, jantares românticos à luz de velas, música alta, namoradas estonteantes. Eu já me peguei com a televisão e o rádio ligados em bom volume, ao mesmo tempo, só para dar a impressão de que havia mais gente em casa.

Pode ser difícil acreditar mas eu engrosso aquelas estatísticas de pessoas que dizem "boa noite" ao William Bonner! Aliás, o Bonner e sua simpática consorte, Fátima, ajudaram a compor uma das minhas estórias domésticas mais bizarras.

Uma noite, ao chegar do trabalho, liguei a televisão e fiquei ouvindo enquanto pensava em algo para jantar. Sou péssimo na pilotagem de fogão mas como não tem outro jeito, tento fazer algo para não perecer de fome. Pois bem, eu me resolvi por um ovo cozinho, algo simples. Coloquei água numa panelinha, larguei o ovo lá dentro e comecei a passear pelo apartamento, ouvindo as notícias. Em dado momento, eu me detive em frente ao televisor atraído por um comentário mais interessante. Dalí o noticiário seguiu e eu fui sendo absorvido. Sentei. Bonner daqui, Fátima de lá, acabei ouvindo o resto do noticiário. Esqueci do tal do ovo. O Jornal acabou e a musiquinha da novela já se insinuando, comecei a sentir um cheiro de queimado. Quando entrei na cozinha tomei um susto: a panelinha estava quase incandescente! A água havia evaporado e o ovo estava encolhido num cantinho com uma fumacinha saindo dele.

Até hoje sou alvo de gozação de amigas para quem contei isso. Tenho quase certeza que sou o único ser do Planeta Terra que conseguiu queimar um ovo cozido! E você ainda acha bom morar sozinho?!?

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O Tapeceiro

Tapeceiro caprichoso, Claudimar estava sempre atualizado com as novidades do mercado. Podia falar de qualquer tecido, cor, padrão – ele entendia de tudo! Tinha o maior carinho com os móveis antigos que as pessoas traziam, aquelas relíquias de família, que ele restaurava como se fossem dele.

Sofás capengas e rasgados saíam imponentes, numa elegância de dar gosto. Poltronas raquíticas voltavam triunfantes a seus lares. As pessoas ficavam maravilhadas com sua sensibilidade, sua técnica. Era um artista, um artista.

Sua fama correu mundo. De boca em boca, foi se tornando cada vez mais conhecido. O movimento da oficina cresceu muito, o que o obrigou a contratar assistentes, a quem ia passando o gosto pelo ofício.

Um dia, parou à sua porta um desses carrões importados, enorme, reluzente, novinho. Todos ficaram olhando. Um senhor alto, muito bem vestido, cabelos grisalhos cuidadosamente aparados, barba bem feita. Tinha lá pelos seus 65 anos, jeito calmo de falar. Apresentou-se. Juíz aposentado e morando no Rio de Janeiro, iria aproveitar o período de Carnaval para viajar ao Exterior com a família. Nesse meio tempo, queria um serviço inusitado: forrar as paredes do apartamento no Leblon, com um tecido caríssimo que ele havia importado. Claudimar titubeou; nunca fizera um tipo de serviço semelhante. O Juíz o convenceu acenando com um preço irrecusável.

Tudo acertado, lá foi Claudimar e sua equipe para a Cidade Maravilhosa. Deveriam concluir o serviço naqueles dias em que o País para por causa do Carnaval. O apartamento era enorme. Os assistentes queriam praia mas a ordem era o trabalho primeiro, depois a diversão: se sobrasse tempo, todos aproveitariam a praia. Para evitar a cara-feia, Claudimar liberou alguma bebida durante o trabalho. Julgou que uma caipirinha ou outra, meia dúzia de cervejas não fariam mal.

Começaram o trabalho. Pincel, cola, pano. Estende daqui, mede dalí, corta, cola. Escada, fita métrica, tesoura, capirinha, cola. Brocha, cola, pano, espátula, cerveja. Parede, corredor, capirinha e cerveja. O ambiente foi ficando descontraído. Entraram num outro clima, outro astral. A bebida ia descendo e as paredes sendo vestidas. O tecido caríssimo sendo colado e a bebida subindo. Tudo era festa. Trabalhavam, cantavam, riam muito e bebiam. Cortavam, mediam, colavam e bebiam.

Três dias depois, terminaram. Claudimar olhou para as paredes e sentiu um ar de triunfo, sua obra estava acabada. Não ficou uma bolha, uma imperfeição. Agora era só esperar pelo patrão, que traria o pagamento.

Numa última checada, seus olhos pararam estatelados. Foi como se migrasse de um sonho diretamente para o pesadelo.

Virou-se para os assistentes e soltou:
- Gente, peguem nossas coisas e vamos embora daqui rápido, antes que o Juíz chegue!!! Isso aqui vai dar morte!!!
Ficaram todos boquiabertos, sem entender nada. Como assim??? As paredes estava lisinhas, perfeitas. O que ele havia visto de errado?
- Já falei, vamos embora, precisamos ir embora, fugir daqui... Colamos o tecido do avesso!!!

As pessoas ainda comentam de Claudimar, em frente ao prédio onde funcionava a Oficina. Nunca mais foi visto pela vizinhança. Parece que alguém deu notícia dele vendendo sorvetes em Camboriú, cabelos compridos, barbudo, arredio. Mas o que mais intriga os vizinhos é um carro que fica rondando o local, faróis apagados e placas do Rio de Janeiro.

Mundo esquisito, este.

Vai saber, né?!?

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Alice

Nesta quarta-feira tivemos a última apresentação da banda irlandesa U2. Moro perto do Estádio do Morumbi, onde os shows foram realizados e de lá do meu quinto andar, posso ver de camarote a movimentação, o agito do pessoal apertando o passo para não perder nada. De quebra, ainda ouço alguns acordes das músicas – não dá para ouvir nitidamente mas fica aquela atmosfera melódica no ar, muito bom.

Espero que os fãs da banda tenham se divertido tanto quanto o quarteto capitaneado por Bono, que se diz entusiasmado com o Brasil. Tanto gosta daqui que foi conversar com o nosso Ministro da Agricultura para saber de nossas técnicas de plantio e levá-las para a África e tentar minimizar o problema da fome por ali.

Agora, o espetáculo nefasto de tudo ficou por conta da saída desse último show. Nas outras noites, não houve confusão no trânsito, apenas um excesso de carros, aquele congestionamento normal. Na noite de quarta-feira, não. Aquilo foi um caos, eu garanto a vocês!

E que me perdoem os bons motoristas de táxi mas parece que os piores se reuniram ali, naqueles momentos. Todos os piores. Minha rua ficou branca, coalhada de táxis ávidos por passageiros. As filas eram duplas, triplas, eles estacionavam em todos os cantinhos, fossem guias rebaixadas ou passagens para pedestres. Enveredaram pela contra-mão, fecharam cruzamentos, pararam no meio da rua para combinar preços, fizeram daquele trecho um inferno. Isso, claro, sem contar os buzinaços à uma e meia da manhã com direito a gritos e xingamentos. A polícia esteve presente, claro. De helicóptero. Não sou técnico em Segurança nem em Trânsito mas acho que uma aeronave não tem como fazer nada numa hora dessas, ou vai baixar de repente num cruzamento para disciplinar o tráfego? Fiquei na sacada observando e não vi um carro de polícia, uma moto, nada. Foi um salve-se quem puder.

Na manhã seguinte, assistindo ao jornal televisivo, vi que a confusão foi mais além do que a perturbação do trânsito: os taxistas combinavam corridas que chegavam até R$ 400,00. Flanelinhas venderam vagas na rua por R$ 200,00.

Alguém da Prefeitura – desses que adoram dar entrevista à TV – disse que várias pessoas foram detidas e que a fiscalização foi intensa. Não foi, não. Assim como eu, várias pessoas nas janelas dos prédios viram: aquilo foi uma balbúrdia sem qualquer controle. Ainda bem que não deu coisa pior.

Juro que fiquei indignado. E somos nós que pretendemos sediar Olimpíadas e Copa do Mundo?!? E como é que vai ser? Vamos esfolar os turistas dessa maneira? Cobrar a mais nos hotéis, nos restaurantes, no picolé da praia ou no cafezinho da padaria? Vai ser esse Deus-nos-acuda no trânsito? E a polícia, só de helicóptero?

Sejamos honestos: temos uma bela vitrine mas sem conteúdo. Não adianta equipamentos públicos modernos se as pessoas comuns não estão preparadas para lidar com gente.

Resolvem menos ainda os discursos falaciosos de governantes querendo que acreditemos que tudo está sempre bem.

Afinal, não estamos mesmo no País das Maravilhas. Ou talvez até estejamos, vai. Só que seria melhor ficar claro quem é a Alice e quem é o Coelho.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Columbine tupiniquim

Impossível ficar alheio aos acontecimentos desta última quinta-feira, em Realengo, Rio de Janeiro. Na versão tupiniquim de Columbine, um jovem de 23 anos entrou numa escola pública com um único ideal: matar tantas crianças quanto possível, dentro do menor espaço de tempo – como se fosse num joguinho de videogame.

Infelizmente, não é uma ocorrência isolada. Para quem não se lembra, em novembro de 1999, um estudante de Medicina matou três pessoas e feriu outras, imitando uma cena de um conhecido game de computador. Isso aconteceu aqui em São Paulo, numa sala de cinema do Shopping Morumbi.

Apesar de ter ocorrido há apenas onze anos, esse episódio dos tiros no cinema parece já esquecido da memória da Sociedade, embora tenha ocupado por longas semanas as manchetes do noticiário.

Isso é que preocupa. Notícia boa não vende, o que dá audiência é a tragédia.

Provavelmente já neste domingo os programas de televisão apresentarão a matéria completa com depoimentos de testemunhas, gente que viu alguma coisa de perto, aparecerão cenas gravadas por celulares, entrevistas com parentes, vizinhos e conhecidos do assassino. Técnicos em Segurança falarão sobre o assunto, apontando soluções que jamais serão tomadas. Psiquiatras e psicólogos relatarão pormenorizadamente os aspectos da vida do sujeito, os traumas pelos quais passou quando criança. E, claro, políticos aproveitarão para dar aulas de hipocrisia, chorando por defuntos que não são deles. As emissoras ganharão pontos no Ibope, o que significa maior audiência e, portanto, preços maiores na venda dos espaços publicitários.

Todo mundo sairá ganhando. E as famílias dessas crianças?

A elas restarão as missas periódicas, cultos ecumênicos com ar solene. Nesses primeiros eventos, a mídia e os políticos ainda se servirão de algumas fatias. Depois o assunto acaba caindo no esquecimento e virando estatística em planilhas frias, sem emoção.

Resta torcer para que tanta luz sobre um fato não gere outros. Pode observar que sempre que alguma coisa é muito comentada, logo em seguida aparece uma outra igualzinha. No início dos anos 80 o adolescente Ricardinho matou pais e irmãos e botou os corpos dentro do Gol do família. Em 1988 foi a vez de Jorginho Bouchabki, no crime da rua Cuba. Mais recentemente, em 2002, tivemos o assassinato do casal Richthofen e em 2004 Gil Rugai – só para falar nos mais rumorosos. Todos esses casos mereceram destaque na Imprensa para depois cair no ostracismo – e quase ninguém se lembra deles.

Dizem que brasileiro não tem memória e eu acredito nisso. A maioria, com certeza, não tem.

Não basta simplesmente jogar esses fatos todos para baixo do tapete, fingindo não ser conosco. Claro, desta vez não foi conosco, não atingiu a nossa família. Só que não estamos livres disso.

E quando atingir, como será?

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Acredite, se quiser!

O Congresso Nacional aprovou em caráter de urgência, norma que prevê a gratuidade dos mandatos eletivos em todo o País. Uma vez sancionada a medida pela Presidência da República, nenhum Senador, Deputado ou Vereador receberá pelo exercício de seu mandato.

A matéria quase não sofreu debates no Plenário pois havia consenso entre os políticos de todo o País para acabar com os próprios salários. Aliás, já são várias as ações no Poder Judiciário, propostas por parlamentares, para restituir valores já pagos.

A verba que seria destinada ao pagamento desses salários agora será usada na construção e manutenção de estradas, novos hospitais e escolas.

Segundo a Comissão mista da Câmara dos Deputados, parte da dotação orçamentária deverá ser utilizada em obras do Metrô de São Paulo; acredita-se que em aproximadamente dez anos toda a cidade estará interligada por transporte seguro, confiável e de baixo custo para a população.

As moradias populares, destinadas à camada de baixa renda, receberão uma gorda fatia desse dinheiro, impulsionando as obras do setor. No campo da segurança pública, serão adquiridas viaturas policiais e implantadas milhares de câmeras de vigilância colocadas em pontos estratégicos em quase todas as cidades brasileiras.

A proposta de emenda constitucional que acabou com a remuneração dos Legisladores foi aprovada nesta madrugada e os políticos procuraram manter isso em sigilo, principalmente da Imprensa.

- Não queremos tirar qualquer tipo de proveito, nossa intenção não é promoção pessoal - explicou um Deputado que não quis se identificar.

Houve certo alvoroço no Plenário em função de assistentes que não queriam que a proposta fosse aprovada. Eram servidores públicos, professores em sua maioria, que não se conformavam com o fato dos parlamentares abrirem mão de seus salários.

- Não podemos permitir que os políticos se sacrifiquem pela Sociedade - afirmou o líder dos manifestantes.

Mas não adiantou. Agora é só uma questão de tempo com a sanção presidencial, publicação no Diário Oficial, essas coisas.

Bom, agora você já pode deixar de lado essa cara de espanto e começar a enfrentar a realidade... olhe bem para a data de hoje, não se tocou, não?!?

Primeiro de abriiiiil!!!!!!!