sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

 A NOITE EM QUE PELÉ IMPEDIU QUE EU APANHASSE

Paris, julho de 1997. Eu havia andado muito pela cidade naquele dia. As coisas todas eram corridas, vida de turista não é fácil! Horário para transporte, para ingresso em museu, outro museu, visita a Notre Dame, mais uma galeria, outra loja... ufa! Já era noite quando voltava para o hotel. Fome, claro. Ainda dentro da estação do Metrô, tinha uma banca de frutas. Parei, cumprimentei os dois vendedores com o olhar e fiquei observando o que levaria. As frutas eram lindas, pareciam suculentas. Eu me decidi por maçãs e ato reflexo, peguei uma delas para observar mais de perto, como é nosso costume no Brasil. Não demorou meio segundo para que os dois começassem a esbravejar comigo em bom e puro francês – idioma no qual eu não digo nem 'oi'. Os homens ficaram enfurecidos comigo. Lembrei do nosso escritor José de Alencar porque eles eram 'negros como as asas da graúna'. Quem já foi à França sabe do que estou dizendo: os negros residentes na França fazem com que o Neguinho da Beija-Flor pareça mais um moreninho claro... Eu pensei que eles fossem me bater alí mesmo, tinham uma raiva inexplicável nos olhos e não paravam de gritar comigo. Era evidente que não haviam gostado que eu tivesse colocado a mão numa maçã. Comecei a balbuciar num Inglês débil, tentando me justificar: “Sorry... I'm not from around here. I'm from Brazil... there we have other customs... Brazil, you know? Samba... Carnival... Pelé...”. Foi aí que o milagre aconteceu: quando eles ouviram 'Pelé' a fisionomia de ambos se transformou. A raiva foi embora e o rosto franzido deu lugar a sorrisos largos e um olhar doce. Permitiram que eu fizesse algo que (fiquei sabendo depois) não é comum por lá: escolher as frutas que eu queria, eu mesmo pegando-as nas mãos. Fui embora feliz com as minhas maçãs por vários motivos: daria um jeito imediato na fome, não havia apanhado deles e o mais importante... tive a confirmação inequívoca de que Pelé não era um jogador de futebol brasileiro. Pelé era uma instituição internacional. Ele não pertencia ao Brasil mas era do mundo. Todos o conheciam, admiravam, respeitavam. Sempre contei essa passagem aos amigos e agora, com profunda tristeza pelo passamento do Edson, resolvi escrever para que mais pessoas saibam. Pois é, Edson... você se foi para um merecido descanso mas o Pelé, esse vai ficar por aqui porque é eterno, é imortal, é uma constelação inteira no firmamento.