quinta-feira, 8 de abril de 2021

A BEXIGA AMARELA


Eu tinha lá meus cinco ou seis anos. Início dos anos 60. Meu pai era muito mais velho do que eu, devia andar lá pela casa dos cinquenta e quatro, cinquenta e cinco anos. Já me recordo dele parcialmente calvo, com os cabelos todos brancos. Certa vez ele comentou em casa que não sairia mais comigo porque as pessoas brincavam: “é o netinho, seu João?” Mas ele gostava da minha companhia – e eu da dele. Para todo o lado que ele ia, lá estava eu junto...


Lembro-me que era um domingo. Tínhamos ido à venda do seu Manoel, comércio de secos e molhados perto de casa. No outro lado da pracinha, um homem vendendo balões de gás. Fiquei olhando maravilhado para aquelas bolas coloridas magicamente suspensas no ar, balançando... balançando...


Meu pai deve ter notado meu olhar de admiração e lá fomos nós em direção ao vendedor. “Escolhe uma”, disse ele. Fiquei extasiado com aquela oportunidade. Na verdade eu queria todas! Fixei-me numa amarela – acho que me pareceu mais simpática – e então o homem a desamarrou do feixe para entregá-la a mim.


Peguei a bexiga todo feliz e observei que ela não pesava nada, não precisava de nenhum esforço para segurá-la. Para pegar a carteira e pagar o brinquedo, meu pai colocou no chão a sacola que carregava e pediu para que eu sustentasse as alças de forma a não derrubar as compras que havia feito na vendinha.


Sempre obediente, fiz o que ele mandou, segurando as alças da sacola de lona. Assim que ele pagou o homem e se voltou para segurar a sacola, indagou: “Ué, cadê a bexiga?”. Eu apontei para o alto, vendo meu balãozinho amarelo se projetar lentamente para o firmamento. Eu havia soltado o barbante para atender ao pedido do meu pai para segurar a sacola...


Com paciência ele pediu outra bexiga e desta vez a amarrou em meu pulso. Fomos embora, meu pai, eu e a bexiga. Quando chegamos em casa, minha mãe fez a maior festa, elogiando meu presente... mas no fundo eu me sentia encabulado, triste mesmo.


De alguma forma, eu havia perdido a bexiga original, causado prejuízo e desperdiçado uma chance. Para atender meu pai, tinha perdido algo meu – e a outra não substituiu a primeira. Eu não queria as duas, queria somente aquela que havia ido embora... aquela que eu havia escolhido entre todas as outras.


Essa sensação de perda, de substituição forçada me acompanha até hoje e a cada sonho que se desfaz, fico pensando onde estará a minha bexiga amarela...