Eu não gosto de copiar
textos – acho falta de ética, de comprometimento a um ideal, ausência de
capacidade, sei lá. Se eu escrevo, expresso meu pensamento, exponho o que sinto
e me responsabilizo por tudo isso. Acho ótimo!
Neste 2015 pouco escrevi.
O Brasil está tão ruim politica e economicamente que a vontade de escrever até
vai embora, some em meio a desmandos,
corrupção e impunidade.
Mas neste último dia de 2015 vou mudar e colocar aqui um texto com o qual eu me
identifiquei totalmente: é da Jornalista Vanessa Barbara e foi publicado
no The New York
Times em novembro deste ano.
Creditada a autoria, vamos a ele:
“No ano passado, a revista
“The Economist” publicou um artigo sobre a Rede Globo, a maior emissora do
Brasil. Ela relatou que “91 milhões de pessoas, pouco menos da metade da
população, a assistem todo dia: o tipo de audiência que, nos Estados Unidos, só
se tem uma vez por ano, e apenas para a emissora detentora dos direitos naquele
ano de transmitir a partida do Super Bowl, a final do futebol americano”.
Esse
número pode parecer exagerado, mas basta andar por uma quadra para que pareça
conservador. Em todo lugar aonde vou há um televisor ligado, geralmente na
Globo, e todo mundo a está assistindo hipnoticamente.
Sem
causar surpresa, um estudo de 2011 apoiado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) apontou que o percentual de lares com um aparelho de
televisão em 2011 (96,9) era maior do que o percentual de lares com um
refrigerador (95,8) e que 64% tinham mais de um televisor. Outros pesquisadores
relataram que os brasileiros assistem em média quatro horas e 31 minutos de TV
por dia útil, e quatro horas e 14 minutos nos fins de semana; 73% assistem TV
todo dia e apenas 4% nunca assistem televisão regularmente (eu sou uma destes
últimos).
Entre
eles, a Globo é ubíqua. Apesar de sua audiência estar em declínio há décadas,
sua fatia ainda é de cerca de 34%. Sua concorrente mais próxima, a Record, tem
15%.
Assim,
o que essa presença onipenetrante significa? Em um país onde a educação deixa a
desejar (a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
classificou o Brasil recentemente em 60º lugar entre 76 países em desempenho
médio nos testes internacionais de avaliação de estudantes), implica que um
conjunto de valores e pontos de vista sociais é amplamente compartilhado. Além
disso, por ser a maior empresa de mídia da América Latina, a Globo pode exercer
influência considerável sobre nossa política.
Um
exemplo: há dois anos, em um leve pedido de desculpas, o grupo Globo confessou
ter apoiado a ditadura militar do Brasil entre 1964 e 1985. “À luz da História,
contudo”, o grupo disse, “não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente,
que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões
editoriais do período que decorreram desse desacerto original”.
Com
esses riscos em mente, e em nome do bom jornalismo, eu assisti a um dia inteiro
de programação da Globo em uma terça-feira recente, para ver o que podia
aprender sobre os valores e ideias que ela promove.
A
primeira coisa que a maioria das pessoas assiste toda manhã é o noticiário
local, depois o noticiário nacional. A partir desses, é possível inferir que
não há nada mais importante na vida do que o clima e o trânsito. O fato de
nossa presidente, Dilma Rousseff, enfrentar um sério risco de impeachment e que
seu principal oponente político, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, está
sendo investigado por receber propina, recebe menos tempo no ar do que os
detalhes dos congestionamentos. Esses boletins são atualizados pelo menos seis
vezes por dia, com os âncoras conversando amigavelmente, como tias velhas na
hora do chá, sobre o calor ou a chuva.
A
partir dos talk shows matinais e outros programas, eu aprendi que o segredo da
vida é ser famoso, rico, vagamente religioso e “do bem”. Todo mundo no ar ama
todo mundo e sorri o tempo todo. Histórias maravilhosas foram contadas de
pessoas com deficiência que tiveram a força de vontade para serem bem-sucedidas
em seus empregos. Especialistas e celebridades discutiam isso e outros assuntos
com notável superficialidade.
Eu
decidi pular os programas da tarde –a maioria reprises de novelas e filmes de
Hollywood– e ir direto ao noticiário do horário nobre.
Há
dez anos, um âncora da Globo, William Bonner, comparou o telespectador médio do
noticiário “Jornal Nacional” a Homer Simpson –incapaz de entender notícias
complexas. Pelo que vi, esse padrão ainda se aplica. Um segmento
sobre a escassez de água em São Paulo, por exemplo, foi destacado por um
repórter, presente no jardim zoológico local, que disse ironicamente “É
possível ver a expressão preocupada do leão com a crise da água”.
Assistir
à Globo significa se acostumar a chavões e fórmulas cansadas: muitos textos de
notícias incluem pequenos trocadilhos no final ou uma futilidade dita por um
transeunte. “Dunga disse que gosta de sorrir”, disse um repórter sobre o
técnico da seleção brasileira. Com frequência, alguns poucos segundos são
dedicados a notícias perturbadoras, como a revelação de que São Paulo manteria
dados operacionais sobre a gestão de águas do Estado em segredo por 25 anos,
enquanto minutos inteiros são gastos em assuntos como “o resgate de um homem
que se afogava causa espanto e surpresa em uma pequena cidade”.
O
restante da noite foi preenchido com novelas, a partir das quais se pode
aprender que as mulheres sempre usam maquiagem pesada, brincos enormes, unhas esmaltadas,
saias justas, salto alto e cabelo liso. (Com base nisso, acho que não sou uma
mulher.) As personagens femininas são boas ou ruins, mas unanimemente magras.
Elas lutam umas com as outras pelos homens. Seu propósito supremo na vida é
vestir um vestido de noiva, dar à luz a um bebê loiro ou aparecer na televisão,
ou todas as opções anteriores. Pessoas normais têm mordomos em suas casas, que
são visitadas por encanadores atraentes que seduzem donas de casa entediadas.
Duas
das três atuais novelas falam sobre favelas, mas há pouca semelhança com a
realidade. Politicamente, elas têm uma inclinação conservadora. “A Regra do
Jogo”, por exemplo, tem um personagem que, em um episódio, alega ser um
advogado de direitos humanos que trabalha para a Anistia Internacional visando
contrabandear para dentro dos presídios materiais para fabricação de bombas
para os presos. A organização de defesa se queixou publicamente disso, acusando
a Globo de tentar difamar os trabalhadores de direitos humanos por todo o Brasil.
Apesar
do nível técnico elevado da produção, as novelas foram dolorosas de assistir,
com suas altas doses de preconceito, melodrama, diálogo ruim e clichês.
Mas
elas tiveram seu efeito. Ao final do dia, eu me senti menos preocupada com a
crise da água ou com a possibilidade de outro golpe militar –assim como o leão
apático e as mulheres vazias das novelas.”
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/11/the-new-york-times-detona-a-globo-tv-que-ilude-o-brasil.html