sexta-feira, 27 de maio de 2011

Rosyneide

Eu já escrevi aqui sobre a saga de morar sozinho. Não é fácil, principalmente quando você descobre que não tem poderes para lidar com tudo ao mesmo tempo – principalmente as tarefas domésticas que pareciam simples à primeira vista.

Descobri, por exemplo, que não tenho o mínimo dom para limpeza – nem mesmo aquela trivial. Não é uma questão de saber fazer, é algo relacionado a jeito, mesmo. Tentar eu sempre tentei – tento até hoje! – mas não fica bom. Tive homéricas disputas com o aspirador de pó que no meio do trabalho regurgitava tudo no piso limpinho, com vassouras e rodos que teimavam em escapar das mãos, panos que impregnavam mais sujeira do que tiravam.

Era evidente que eu precisava de ajuda profissional. Lembrei-me de uma empregada que minha mãe teve durante muitos anos. Ela chegou muito jovem, assustada com a cidade grande. Minha mãe a tratava como uma filha. Foi lá que ela aprendeu a cuidar de uma casa, tudo com dedicação exemplar. Resolvi arriscar seu telefone, que ainda tinha na minha agenda. Para minha alegria, ela atendeu, combinamos tudo e ela passou a me auxiliar semanalmente em casa.

Rosyneide continuava quase a mesma de década atrás. Competente, de extrema confiança, cuidadosa com as coisas da casa. Era como alguém da família. Às vezes deixava alguma comida pronta para meu jantar, um conforto gastronômico incrível para quem só sabe fazer macarrão instantâneo.

O apartamento era limpo com impecável habilidade, os vidros permaneciam absolutamente transparentes, um primor – além de alguma roupa que ela colocava na máquina de lavar e estendia nos varais da área de serviço.

Comecei a notar um pontinho negativo nessa estória de roupas e panos lavados e expostos no varal. Panos de prato eram estendidos junto com panos de chão e ficavam lá balançando indolentemente ao sabor de leve brisa, encostando uns nos outros. Isso aconteceu seguidamente por algumas semanas mas eu não encontrava Rosyneide sempre para corrigir isso, nossos horários não coincidiam. Na primeira oportunidade que tive, eu a adverti para que não fizesse mais aquilo, que não era higiênico panos de chão encostarem em panos de prato, etc. Ela me olhou fixamente e começou a rir e quanto mais eu falava mais ela ria.

Retomando o fôlego, ela me explicou:

- Esses panos de prato já são panos de chão faz tempo... estavam velhos e eu fiz de pano de chão...

Meu estômago deu uma ligeira embrulhada. Percebi que há algumas semanas - talvez meses? - eu enxugava a louça com os panos que ela passava no chão do banheiro.

Rosyneide ainda continuou trabalhando durante algum tempo lá em casa. Só que passei a duvidar de algumas coisas - ficava imaginando que lugares a esponja de louça havia visitado antes de repousar na pia da cozinha ou se ela lavava direito as mãos para pilotar o fogão.

Deixa p'ra lá... minha mãe sempre dizia: "o que não mata, engorda".

Ah, só um aviso às minhas amigas: eu troquei todos os panos de prato, ok?

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Os Brasil

Nasci num outro Brasil, finalzinho dos anos 50. Não cheguei a viver os Anos Dourados mas minha infância se passou nos anos 60 – peguei só uns reflexos daquele brilho todo.

Tive a grata felicidade de conhecer dois “brasis”: um atrasado de tudo, refém de muitos costumes herdados ainda do Império e outro, tecnologicamente avançado mas com conceitos sociais no mínimo discutíveis.

Sou do tempo do leite em litro de vidro e tampinha de alumínio, do coletor de lixo com carrocinha puxada a cavalo, da Praça Ramos de Azevedo com piso de paralelepípedo, dos gatos que habitavam os baixios do Viaduto do Chá, do bonde na Dr. Arnaldo, do Mappin, da Eletroradiobrás e da Peter, da televisão em preto-e-branco. Assisti aos Festivais da Canção, vi A Banda ganhar e Sérgio Ricardo quebrar o violão e atirar na platéia, aprendi a gostar de Caetano Veloso e Gilberto Gil, me apaixonei pela beleza inocente da Rita Lee.

Prestei exame seletivo para cursar o ginásio em escola do Estado. Estudava muito e me divertia pouco – como era comum à época. Havia menos cinema e mais sabatinas, menos jogo de bola e mais notas azuis na caderneta. Tínhamos uma outra consciência, sabíamos que deveríamos estudar muito para trilhar um caminho de sucesso. E lá vinham os textos em Francês, verbos em Inglês, oração subordinada adjetiva em Português, tabela periódica de elementos em Química, fórmulas de Física e equações imensas de Matemática. Quanto vale o x se a raiz do delta é b2 – 4ac? Em quanto tempo um tanque de mil litros ficará cheio se a torneira o completa a tanto e um ralo o escoa à vazão de quanto? Afluentes do rio Amazonas, invasão holandesa na Bahia, Machado de Assis e José de Alencar. Velhos e bons tempos...

Foi, então, com um misto de espanto, incredulidade e revolta que acompanhei pelo noticiário da última semana, a existência de um livro aprovado pelo MEC que enaltece o modo errado de se falar, numa pretensa valorização de cultura do povo. Segundo o que foi divulgado, não existe mais o certo e o errado, vale o adequado e o inadequado, alertando ainda sobre um certo preconceito linguístico, dependendo de onde se fala dessa maneira.

Não resta dúvida que todos na Sociedade precisam, merecem respeito mas a inversão de situações é um caminho que não leva a lugar algum. Não é o falar errado que surrupia credibilidade ao cidadão mas estimular o erro é lamentável. É claro que não se pode exigir que uma pessoa sem cultura declame Camões mas o mínimo aceitável é que ela fale com todos os plurais, flexionando corretamente os verbos... além de ser elegante guinda qualquer um a outro patamar. Podem falar o que quiserem mas até mesmo quem não sabe se expressar direito gosta de ouvir uma pessoa culta discursar - e para isso não é necessário usar nenhum vocabulário rebuscado: basta ser claro e objetivo.

Desta vez o alvo foi a Língua Portuguesa, talvez amanhã seja a Matemática e depois a História - olha que perigo!

Eu me senti lesado com a publicação desse tal livro e sua inexplicável aceitação pelo MEC pois percebo que tudo o que estudei - eu e milhares de pessoas - foi jogado no lixo. Nós nos esforçamos à toa? Por certo, não...

Fiquei imaginando como será, então, este País no futuro. Teremos uma Sociedade totalmente despreparada, sem memória, sem história. Os valores culturais não existirão e as pessoas terão destaque apenas pelos bens materiais. Se alguém destoar disso será tido como preconceituoso e sofrerá punições. Quem for mais inteligente será perseguido. Aos poucos esse falar errado que hoje é cultuado será substituído por gestos e grunhidos, expressão máxima da interiorização humana.

Algo me diz que talvez Pierre Bouller não estivesse errado quando escreveu La Planètte des Singes...

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Falha técnica

Bem... aos seguidores do "Dois Pontos" só me resta pedir humildes desculpas mas o Blogger teve problemas técnicos e, por isso, a tradicional postagem da sexta-feira ficou prejudicada hoje! Essas coisas acontecem no mundo da Internet...
Grande abraço a todos! Assim que possível postarei a crônica!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Parece mas não é!

Se tem algo muito comum no gênero humano é uma capacidade de deduzir fatos com base num pretenso conhecimento. E o curioso é que quanto menos a pessoa sabe, mais ela própria inventa o restinho da estória – que pode terminar num dramalhão imenso!

Duvida? Então, leia...

Anacleto era um respeitado advogado, professor universitário. Divorciado há alguns anos, vivia na casa de campo – imóvel que sobrara da divisão dos bens na separação. Nunca mais havia pensado numa relação mais duradoura, preferindo se envolver em romances ocasionais. Numa dessas armadilhas da vida, conheceu Jacira, sua aluna na Faculdade de Direito. Durante algum tempo viveram um romance tórrido que, infelizmente, acabou.

Nas semanas seguintes ficou amuado, não saía mais de casa, amargurado com a situação pois se afeiçoara demais a ela. Numa noite fria de junho, ele resolveu escrever para a moça, tentando mostrar alguns pontos de vista que ele tinha sobre tudo o que eles haviam passado.

Pegou folhas de papel, caneta e começou a escrever. Ligou a lareira, tornando o ambiente mais aconchegante, mais propício às divagações, cenário que ficou (quase) completo com o copo de uísque. Dalí a pouco, lembrou que precisava também limpar um revólver que ele tinha. Levantou, pegou o tal revólver e algum material para limpá-lo. Ficou entretido nas duas tarefas, escrevia um pouco, limpava a arma, voltava à caneta.

Nesse meio tempo, a campainha tocou. Era a ex-namorada que havia ido com a mãe dela pegar um resto de roupas que tinha ficado lá. Ele as recebeu e amistosamente conversaram um pouco. Jacira parecia nervosa. Pegou as tais roupas e resolveu ir embora; tinha pressa. Ele, gentilmente, foi acompanhá-las ao portão, instante em que a moça voltou sozinha à sala pois esquecera-se de alguma coisa. Foram embora. Anacleto ficou olhando as luzes do carro desaparecerem na bruma da noite.

Voltou e recomeçou a escrever a tal carta. Olhou e notou a falta de algo: o revólver havia sumido!

O que é que aconteceu? Simples... Jacira viu um cenário e compôs ela própria a estória: um homem solitário, melancólico pelo término de um romance, escrevendo uma carta com um revólver ao lado. A conclusão saltou óbvia: estava prestes a cometer suicídio, deixando uma carta de despedida. Ela, então, levou embora a arma para impedir...

Só que ela se enganou redondamente, não era nada disso!

Situações assim a gente vê sempre. Existem pessoas que ouvem metade de um comentário e já saem fofocando uma estória inteira, inventando situações, deduzindo conclusões precipitadas ou convenientes.

Bom seria se cada um cuidasse da própria vida...