sexta-feira, 15 de outubro de 2021

 

A ESCOLA


Fazia um tempo insuportavelmente quente e seco. O reflexo do sol no chão chegava a doer nos olhos e eu não me sentia confortável. Caminhava ao lado de minha mãe que conversava comigo, me encorajando. Era esquisito, eu estava de calça curta azul marinho, camisa branca e gravata – eu não gostava de sair de calça curta à rua. O cheiro do banho recém tomado ia embora rapidamente pelo tanto que eu suava. Nem mesmo a poeira da rua de terra se levantava: o ar estava absolutamente parado. Eu tentava me distrair com várias coisas pelo caminho: algum pássaro que cruzasse o céu, poucos carros que passavam, flores nos jardins das casas. Pensei que o caminho pudesse ser mais longo para demorar bastante. Não era. Chegamos.


Nunca tinha visto tantas crianças juntas, num falatório ensurdecedor. Elas estavam alvoroçadas, pareciam ansiosas e alegres, à vontade. Entramos pelo grande portão e minha mãe me levou até uma senhora negra, de cabelos grisalhos e sorriso simpático. Era minha primeira professora, meu primeiro dia de aula. Dona Haidè me recebeu com imenso carinho, abaixou-se para me abraçar com ternura. Seus olhos eram azuis de uma tonalidade bem clara e inexplicavelmente ternos. Eu não sabia como corresponder àquilo porque não tinha em casa demonstrações exteriorizadas de afeto. As duas se despediram e vi minha mãe se afastar enquanto me dedicava um sorriso e um aceno de mão. Uma sensação estranha me invadiu, não era bem vontade de chorar mas senti uma dor no estômago, uma secura repetina na boca e uma profunda tristeza. O prenúncio de choro viria muitas outras vezes no decorrer daquela tarde, a cada nova situação que eu era obrigado a enfrentar. Tudo para mim era novidade: aquele amontoado de crianças, a professora – uma desconhecida mandando em mim! - a lousa enorme, escura e assustadora, o giz branco que de maneira mágica marcava contornos... Passei a observar melhor meu universo. A sala era grande, de teto muito, muito alto. Janelas igualmente generosas através das quais era possível observar a copa de muitas palmeiras do lado de fora, as nuvens brancas num céu muito azul. A porta tinha um visor, um quadradinho de vidro que permitia às freiras (mantenedoras da escola) dar uma espiadinha de vez em quando, controlando a classe. O soalho de tábuas largas fazia o ruído característico quando se pisava nele; não era encerado mas era de cor clara e o uso continuado de anos e anos fazia com que parecesse tão circunspecto como todo o resto. As carteiras eram de madeira, parecidas com aqueles antigos bancos de praça, ripados. Em cada uma delas sentavam duas crianças. No meio da carteira um furo atravessando o tampo: era o lugar para se colocar o tinteiro para as classes mais avançadas. Olhei para meu colega de carteira, meu primeiro colega de estudos. Ele havia tido paralisia infantil e seus movimentos eram difíceis, lentos; mal conseguia segurar o lápis que teimava em escorregar de seus dedos. Andava também de forma débil e ao falar nem todos entendiam. Eu me identifiquei com ele e nos tornamos grandes amigos, situação essa que perdurou na vida adulta. Pequenos, assustados e ingênuos, trocávamos nossas impressões acerca da escola, dos colegas, da professora...e prestávamos assim um auxílio mútuo desinteressado e produtivo.

Aquela tarde se arrastou penosamente até o horário do sinal. As crianças saíam das classes numa correria desenfreada. De longe vislumbrei a figura conhecida, simpática e amorosamente branda de minha mãe, que sorria. Senti um alívio imenso. Voltamos para casa e agora quem falava muito era eu, contando tim-tim por tim-tim de uma experiência que, reservadas as devidas proporções, iria se repetir muitas e muitas vezes no decorrer da minha vida.