sexta-feira, 20 de maio de 2011

Os Brasil

Nasci num outro Brasil, finalzinho dos anos 50. Não cheguei a viver os Anos Dourados mas minha infância se passou nos anos 60 – peguei só uns reflexos daquele brilho todo.

Tive a grata felicidade de conhecer dois “brasis”: um atrasado de tudo, refém de muitos costumes herdados ainda do Império e outro, tecnologicamente avançado mas com conceitos sociais no mínimo discutíveis.

Sou do tempo do leite em litro de vidro e tampinha de alumínio, do coletor de lixo com carrocinha puxada a cavalo, da Praça Ramos de Azevedo com piso de paralelepípedo, dos gatos que habitavam os baixios do Viaduto do Chá, do bonde na Dr. Arnaldo, do Mappin, da Eletroradiobrás e da Peter, da televisão em preto-e-branco. Assisti aos Festivais da Canção, vi A Banda ganhar e Sérgio Ricardo quebrar o violão e atirar na platéia, aprendi a gostar de Caetano Veloso e Gilberto Gil, me apaixonei pela beleza inocente da Rita Lee.

Prestei exame seletivo para cursar o ginásio em escola do Estado. Estudava muito e me divertia pouco – como era comum à época. Havia menos cinema e mais sabatinas, menos jogo de bola e mais notas azuis na caderneta. Tínhamos uma outra consciência, sabíamos que deveríamos estudar muito para trilhar um caminho de sucesso. E lá vinham os textos em Francês, verbos em Inglês, oração subordinada adjetiva em Português, tabela periódica de elementos em Química, fórmulas de Física e equações imensas de Matemática. Quanto vale o x se a raiz do delta é b2 – 4ac? Em quanto tempo um tanque de mil litros ficará cheio se a torneira o completa a tanto e um ralo o escoa à vazão de quanto? Afluentes do rio Amazonas, invasão holandesa na Bahia, Machado de Assis e José de Alencar. Velhos e bons tempos...

Foi, então, com um misto de espanto, incredulidade e revolta que acompanhei pelo noticiário da última semana, a existência de um livro aprovado pelo MEC que enaltece o modo errado de se falar, numa pretensa valorização de cultura do povo. Segundo o que foi divulgado, não existe mais o certo e o errado, vale o adequado e o inadequado, alertando ainda sobre um certo preconceito linguístico, dependendo de onde se fala dessa maneira.

Não resta dúvida que todos na Sociedade precisam, merecem respeito mas a inversão de situações é um caminho que não leva a lugar algum. Não é o falar errado que surrupia credibilidade ao cidadão mas estimular o erro é lamentável. É claro que não se pode exigir que uma pessoa sem cultura declame Camões mas o mínimo aceitável é que ela fale com todos os plurais, flexionando corretamente os verbos... além de ser elegante guinda qualquer um a outro patamar. Podem falar o que quiserem mas até mesmo quem não sabe se expressar direito gosta de ouvir uma pessoa culta discursar - e para isso não é necessário usar nenhum vocabulário rebuscado: basta ser claro e objetivo.

Desta vez o alvo foi a Língua Portuguesa, talvez amanhã seja a Matemática e depois a História - olha que perigo!

Eu me senti lesado com a publicação desse tal livro e sua inexplicável aceitação pelo MEC pois percebo que tudo o que estudei - eu e milhares de pessoas - foi jogado no lixo. Nós nos esforçamos à toa? Por certo, não...

Fiquei imaginando como será, então, este País no futuro. Teremos uma Sociedade totalmente despreparada, sem memória, sem história. Os valores culturais não existirão e as pessoas terão destaque apenas pelos bens materiais. Se alguém destoar disso será tido como preconceituoso e sofrerá punições. Quem for mais inteligente será perseguido. Aos poucos esse falar errado que hoje é cultuado será substituído por gestos e grunhidos, expressão máxima da interiorização humana.

Algo me diz que talvez Pierre Bouller não estivesse errado quando escreveu La Planètte des Singes...

Um comentário:

Antonieta disse...

Passamos tanto tempos em salas de aula, provando que sabemos fazer certo, ralando em faculdades para fazermos correto as trabalhos acadêmicos, provando que sabemos ou aprendemos, para depois aparecerem tres idiotas, mudando tudo para facilitar. Isso, não vai dar certo.