sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O rabo que balança o cachorro

A região central de São Paulo sempre um atrativo para mim. Desde criança, sempre gostei de andar por alí e olhava maravilhado para os edifícios imensos, vetustos, as ruas com aquele amontoado de gente apressada. Homens de terno e gravata, mulheres elegantemente inseridas em sóbrios tailleurs seguiam impassíveis seus rumos. As vitrinas das lojas tinham a simplicidade dos anos 50/60 e eu me encantava com tudo aquilo, as luzes coloridas, as coisas expostas de forma chamativa. Não havia tantos modelos de automóveis mas eles eram mais coloridos do que hoje, em que reina a tirania do preto/cinza/prata. Sem dúvida, a cidade era mais alegre; as pessoas se cumprimentavam na rua ainda que não se conhecessem, era uma regra de boa educação, de civilidade, de cortesia. Havia u´a magia no ar, principalmente na época de Natal.

Para mim tudo era novidade e eu crivava meu pai de perguntas. Meus olhos se entupiam de cores, de luzes, de sonhos. Quando voltava para casa eu ficava o resto do tempo com aquilo tudo na cabeça, relembrando cada instante, cada cena, cada som, cada aroma.

O tempo passou e meu destino profissional e acadêmico foi distante do Centro; passei anos sem ir até lá: o trânsito caótico e a agitação constante das pessoas cada vez mais apressadas acabou por favorecer esse afastamento.

Há algum tempo resolvi resgatar um pouco desse tempo perdido. Por algumas vezes tomei o Metrô e, munido de uma câmara fotográfica e muita disposição, passei a percorrer aquelas mesmas ruas e praças de quarenta anos atrás – para minha solene decepção!

Os edifícios ainda estão alí, ostentando a mesma imponência de sempre; algumas lojas tradicionais já se deslocaram para centros de compras mais sofisticados e outras simplesmente fecharam as portas. As vitrines ganharam um luxo brega e os artigos são mais populares. As pessoas continuam apressadas mas nem de longe lembram aquelas da minha infância... os trajes formais foram substituídos por camisetas com frases desconexas em inglês e jeans descoloridos; as moças ostentam trajes que beiram à indecência – e olhe que eu não sou moralista. Bonés completam essa indumentária despojada dos jovens. Não existe mais elegância nem sofisticação e a educação de outrora deu lugar a empurrões e cotoveladas como se fossem a coisa mais natural do mundo.

Pelos cantos, os mendigos parecem dormir tranquilamente em meio ao burburinho, cobertos de andrajos, exalando odor desagradável. Topamos com moradores de rua usando drogas sem se incomodar com quem esteja por perto. Chegam ao cúmulo de armar barracas de camping para fazer uso de entorpecentes, entupindo o espaço público e que, por isso mesmo, é de todos e não de alguns. Camelôs completam esse cenário próximo do caos, apregoando mercadorias falsas a plenos pulmões.

Minha querida São Paulo não existe mais... está às moscas! Fruto do descaso, do descuido e da ganância de governantes que só aparecem na hora do voto, a cidade simplesmente desapareceu diante da miséria e da falta de comando. Não há quem ande despreocupadamente por alí, sem temer pelo assalto a seus bens pessoais ou mesmo pela integridade física.

Enquanto isso, temos que conviver com a cantilena do “politicamente correto”: o drogado é doente, a prostituta é fruto do sistema, o andarilho é um coitado, o camelô é um trabalhador. Ainda que envoltos num manto de ilegalidade, nenhum deles deve ser incomodado. O conceito de espaço público é esticado até o ultrapassar o limite do suportável.

Honestamente, eu me questiono se não nos tornamos escravos de conceitos e escondidos atrás do manto da hipocrisia, aceitamos de araque tudo o que nos surge à frente. Eu não conheço uma só pessoa, do meu círculo de relacionamentos, que concorde com essa situação.

O que é que está faltando? Falta coragem para dizer o que pensamos, de exigir o retorno dos valores que cultivamos desde nossos avós, nossos pais... nossos antepassados.

Estamos vivendo a ditadura da mídia televisiva onde os canais de comunicação mais influentes nos ditam o linguajar, as gírias, a moda e os costumes. Aceitamos que nos digam o que devemos pensar como certo e o que devemos considerar errado. Quem leu George Orwell sabe do que estou falando!

Não podemos aceitar, cabisbaixos, essa revolução cultural às avessas, onde literalmente o rabo balança o cachorro!

Um comentário:

Anônimo disse...

gosto desta musica: https://www.youtube.com/watch?v=vK-6INBMwMg

NÃO EXISTE AMOR EM SP.
São Paulo é um buquê
buquê são flores mortas
num lindo arranjo
arranjo lindo feito para você
NÃO EXISTE AMOR EM SP.


Não existe amor em nenhum lugar aonde o privado prevalece em relação ao público.
Não existe amor em nenhum lugar aonde o individuo prevalece em relação ao todo.
E antigamente isso era menos evidente... hoje não tem como esconder as patologias sociais do capitalismo.

Concordo com a critica de George Orwell ao capitalismo (adorei o livro REVOLUÇÃO DOS BICHOS, nós animais com características e semelhança comportamental aos que ele sugere).